ATLANTICA é o nome desse meu novo trabalho com o Turbante-se. Esse trabalho imprime muito da trajetória que tenho traçado com a vivência e pesquisa sobre os turbantes na perspectiva da Diáspora Afro-Atlântica nos últimos anos. Eu tento aqui aproximar inúmeras conexões que fiz entre culturas que são banhadas pelas águas desse oceano, que é cerca de um quinto da superfície da Terra, e sobre a minha própria caminhada. Essas conexões passam por lugares de muita resistência, resiliência, repulsa, dor e ressignificação. Afinal esse oceano foi cenário da nossa diáspora forçada, de um Holocausto Africano, que resultou em morte e renascimento através da necessidade de reexistir. Fazer essas conexões perpassa por similaridades históricas, e pela imagem dissonante de inúmeras pessoas, que como eu, representam <CORPOS POSSÍVEIS> em novas rotas de percurso, novas narrativas, e significados outros, de estar em um transito Atlântico, ou Índico, que nem sempre é Pacífico.
Ao pensar nas relações de amor, admiração versus a repulsa, o medo do mar, entendo que faço uma relação binária que se faz presente em inúmeros corpos. Atirar-se ao mar já foi/ é, para muitos, a necessidade de se libertar. Ainda hoje vemos essa via sendo utilizada para quem precisa de um novo refugio. O pavor pelo mar pode ser uma experiência herdada dos antepassados, porque as memórias podem ser transmitidas para as gerações posteriores através de interruptores genéticos. Essa transmissão biológica da memória ancestral é muitas vezes ignorada, ou subestimada. A tentativa de me conectar com a minha memória ancestral traz muito do que tem guiado o meu trabalho e pesquisa com o Turbante-se.
Falar de Atlantica me trouxe a reflexão sobre o movimento das aguas enquanto essa linha que traça o meu próprio caminhar, que gera seu próprio deslocamento de forma optativa, e escolhe a diáspora como morada. O cruzamento desse mar conecta a minha produção artística e intelectual ao Brasil, Europa e África. Falo de África, sem necessariamente pisar no solo desse continente, mas por ser esse território (in)visível que eu transito para chegar no lugar de Atlantica.
O que está nesse entre-lugar? Quais são as potências que as aguas, e que esses trânsitos bem elaborados, que se relacionam com o passado criam para uma mulher negra como eu, que tem alcançado outros lugares a partir do tempo de agora? Para além da travessia, cruzar o mar tem sido um caminho de tornar muitas possibilidades palpáveis.
Atlantica está sendo também um lugar de auto permissão para minha experimentação em vários aspectos. Experimentando através de colagens, de poemas, da escrita, e do desafio de vestir corpos sob a perspectiva da mescla. De não me entender como estilista, mas me expressar através do têxtil.
Nessa experiência de auto-identificação, de pensar arte, imagem, envolvimento, historia, e passado eu seleciono essas estampas pensando se as mulheres que me inspiram gostariam de um corte de tecido como esse. Adalices, Elianas, Valdinas, Detes, Jhôs. Quando opto pelos tecidos com pontos de luz nas estampas, eu penso na abundancia que projeto para as minhas e os meus. Penso no quão imensa é a nossa e riqueza, e que quero afastar desses corpos atlânticos tudo que possa ser lido como ordinário. Eu gosto do simples, mas não gosto do ordinário. Esse ultimo nos tem sido imposto por muitos séculos. Portanto retomo aqui, mais uma vez, o meu lugar de herdeira de uma elegância ancestral.
Para esse trabalho, eu quis, além dos turbantes, trazer dois modelos de que podem ser utilizadas como roupas do dia-a-dia ou para as aguas, tiaras, pôsteres das colagens, e um vídeo-poema. Eu cruzei o Atlântico com esses tecidos: levei eles de Londres para o Brasil, e trouxe de volta para a Europa. É inquietador pensar que eu estou repetindo a lógica do sistema econômico do Atlântico Sul, que era “centrado na produção de culturas de commodities e produtos têxteis para vender na Europa”. Mas eu não quero aqui vender apenas um produto. Eu vou contar algumas histórias ao longo desse caminho, que não envolvem dor, mas que devolve empoderamento intelectual, estético e econômico para o meu país.
Sinto-me extremamente orgulhosa em dizer que a mão de obra para feitura dessas peças é 100% ética e feminina, feita em Salvador, na Bahia, em pequena escala, de maneira honesta e sustentável. Todas as estampas dessa coleção são tecidos africanos que garimpei na loja de dona Toks, uma mulher nigeriana, que mora há tempos em Londres, e o restante da matéria prima comprada no Brasil. Eu cruzei e descruzei o Atlântico.
As peças de vestuário estarão disponíveis inicialmente na loja online do Turbante-se da Europa/ Worldwide (www.turbante-se.com/shop-1), e a depender da demanda produziremos mais para o Brasil. Já os turbantes e tiaras estarão nas duas lojas (Brasil & Mundo).
Obrigada a todas e todos envolvidos nesse processo. Obrigada Jeanne Nadier, Maria Helena Araujo, Fernanda Slama, Sista Katia, Camila Jasmin, Eduarda Carvalhaes, Shai Andrade, Naná Vitória, Dani Munira, Guilherme Malaquias, Patricia Guimarães, Hugo Vasconcelos, Fernanda Costa, Priscila Carvalho, Rafaela Maia, Tadhg Byrne, Maggie Moran, Denis Byrne, Rebeca Carapiá.
Com amor,
Thaís Muniz
Concept/ Style: Thaís Muniz/ Photo: Guilherme Malaquias/ Model: Naná Vitoria
Salvador, 2019
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